Sonhei que comia uma maçã. Ela estava muito doce. Era estranho, pois era uma maçã verde.
Entre pães e bolos, descobri a maçã com seu aroma ácido. Mirei nas verdes. Uma senhora prateada sussurrou que as vermelhas eram mais simpáticas e companheiras.
- Não mesmo! As verdes são mais bonitas,respondi.
Percorrendo o corredor de enlatados, eu e as maçãs desfrutávamos o amor. Eu descobrira quase sem querer que os acidulantes e conservantes açoitaram por longo tempo meus rins, tornando-me uma presa viciada da praticidade e do gostinho fácil.
Continuamos por mais corredores enfermos, com seus corantes desaforados, achocolatados e biscoitos megalomaníacos, cujo desejo final sempre foi dominar o mundo e todas as mentes.
Eu e minhas maçãs, em sensual sintonia de atração, nos protegemos meticulosamente das teias ardilosas da gula.
Seguimos ao caixa, já tocava as maçãs como se as mesmas num rompante infantil pudessem esticar suas perninhas e pular fora da cesta de uma só vez.
Agarrei-as sem preparo, abocanhei-as em sofreguidão.
Até o último pedaço. Foram mastigadas!
Todos boquiabertos, atônitos, cochichavam e riam, balançavam suas cabeças em desaprovação.
Meu caso de amor acabou em desastre. Ao julgar que poderia sucumbir aos encantos do glúten , horrorizei as frutas com minha falta de humanidade.
Elas urraram em uníssono no mercado.
CAIA FORA, MONSTRA DA GULA!
NÃO QUEREMOS SER DEVORADAS ASSIM.
QUEREMOS SER PROVADAS COM TODO CARINHO.
E ADORADAS.
QUE A BOCA TENHA MANHA.
QUE A SALIVA SEJA SUBMISSA.
QUE DENTES NOS MASTIGUEM MACIAMENTE.
Só que eu repliquei. _ Não dá tudo no mesmo?
Elas riram, sim senhor, elas riram em algazarra, e na balbúrdia me jogaram uma praga.
_Pra quem desconhece que mastigação tem mistério, que morra envenenado o sistema digestório!
Acordei em prantos. Que falta de respeito!
Saquei da bolsa um chiclete de frutas vermelhas, um cigarro mentolado e de quebra alguma coisa com álcool. Arremessei tudo pra dentro!
Aos poucos, uns pipocos estouraram nas minhas entranhas. Era insólito! Era loucura! Era verdade!
Iniciava-se uma luta armada dentro do meu estômago. Não havia negociação, em jogo a posse de armas químicas. Derivados de petróleo, de açúcar e nicotina entraram em confronto corpo a corpo. Um desespero só. Gritaram de lá de dentro em profusão:
MONSTRA DA GULA. VAI PRA MESA DE OPERAÇÃO.