"Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome." (Clarice Lispector)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O coração maconheiro do 2ºgrau

Desde que reconheci e uni as letras, apaixonei-me pelas palavras e os resultados que dessa união podem surtir.
Escrevi contos, poemas, frases, numa produção incessante. E foi na adolescência que mais cultivei diante da profusão de ideias.
No meu colégio havia uma professora de Português  que impunha respeito, talvez pelo seu caráter que imprimia seriedade, talvez por sua altivez e cabelos tão longos e lisos (naturais mesmo).
Seu nome? Maria Rúbia!
Quando mirava seus olhos, eu compreendia o significado de ser forte.  Acredito até mesmo que sua mãe ao escolher chamá-la de Maria Rúbia, sabia que tinha 60 por cento de chance de ser mais forte de qualquer outra pessoa.
Nesta época eu já possuía vários cadernos escritos, e entreguei um a Maria Rúbia, um velho caderno de espirais e encapado com plástico de guardar legumes. Queria que ela avaliasse e corrigisse os erros crassos que eu cometera na minha sofreguidão de escritora.
Ela se enterneceu, ainda que na sua forma dura. Após duas semanas chamou-me depois do intervalo em particular. Ali meu coração descolou da caixa torácica e se meteu no avesso, meu corpo se enuviou e me espantei já que estava desaparecendo na ansiedade.
 Quando o velho pátio da escola deixou-nos em solidão, a professora com sua fortaleza contida em si mesma observou coisas boas e más, avaliou minha ortografia.
_ É satisfatória!

Mas neste momento vi seu olhar se demorar nas últimas páginas e perguntou com uma voz de mulher maternal, transformada tão repentinamente.
_ Está enfrentando problemas com as drogas?
_ Não professora (respondi)! Nunca! Não quero nem experimentar (mentira)!
_ Pois se você estiver confusa, pode confiar. Estarei aqui.
_ Fique tranqüila, professora. Está tudo bem!

Maria Rúbia devolveu-me o caderno e sua sentença faz anos perdura em minha memória.
_Dedique-se e escritora serás!

Nunca passei de uma amadora. Mas ao escrever continuo a me apoderar, sendo todas as pessoas gentis e más, vivendo todos os conceitos, possuo as almas da Terra, e suas energias recrutam em mim possibilidades insondáveis.

Este foi um pequeno trecho que desconcertou Maria Rúbia:

“ O coração zombeteiro de tanto haver amado na sombra
Virou coração maconheiro, traído e revirado na lama.”
Por Erica Panno, 1991.

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