"Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome." (Clarice Lispector)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Conto II: Um quarto escuro e a culpa bilateral.

Entrou em seu quarto. Havia sido bailarina por algum tempo, seus pés semelhantes a alfinetes afiados, tão leves e soturnos. Com suas ancas desproporcionais, desconcertou a camisola.
Impetuosa, livrou-se dela! Seu corpo transformado por tantas gravidezes (sete ao todo) não desejadas, as mesmas que enterraram o que o balé clássico tinha feito por ela ainda menina, no tempo em que suas utopias expansivas foram dominadas pela constrição de uma alma aprisionada pela inconsequência dos desvarios da juventude.
Ele é um porco, ela pensou com uma satisfação muito má.
Contemplou as curvas suínas com pavor. E pulou mesmo assim!
Naquele exato momento tomou consciência de um só gole que não transpos a ponte porque não quis.
Não se suicidou pois era tola.
Não se embrenhou no deserto porque era acomodada.
De sofreguidão se despojou e quase morreu por duas vezes na sensação de gozo. Aquilo foi rápido mais uma vez.
Levantou-se com o escuro do quarto, esquadrinhou a silhueta, agora o reconhecendo como marido. E pensou pela segunda vez.
Se ele é um porco, eu sou uma ...
De repente descobriu com carinho que não havia aprendido o coletivo de porcos.

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